"Se quisermos modificar algum coisa, é pelas crianças que devemos começar." (Ayrton Senna)

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

ALFABETIZAÇÃO: DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM OU EQUÍVOCO DE ENSINAGEM?

•O QUE É ESCRITA?
•QUAL SUA IMPORTÂNCIA SOCIAL?
•NEM TODO SOM É REPRESENTADO APENAS POR UMA LETRA;
NEM TODA LETRA REPRESENTA UM ÚNICO SOM.
Se a escola ensinasse desde o início esses três conceitos fundamentais sobre a linguagem escrita, dificilmente teríamos tantas crianças rotuladas como incapazes de aprender a ler e a escrever!

Não é de hoje que muito temos nos preocupado com o número de crianças, no início do processo de alfabetização, que são encaminhadas para clínicas especializadas com a queixa comum: elas não estão se “alfabetizando”. A preocupação de pais e professores é generalizada e não fica restrita à classe social que tem condições de pagar profissionais como Psicólogos, Psicopedagogos, Fonoaudiólogos e outros. As crianças de famílias mais carentes são vítimas dessa “síndrome” e muitas delas têm seu destino vaticinado por esse rótulo: distúrbio de aprendizagem.
Para contribuir concretamente, a primeira providência seria esclarecer o que são, de fato, considerados distúrbios de aprendizagem. Como não temos o espaço gráfico nem a competência necessária para clarificar tal conceito, limitar-nos-emos a tecer alguns breves comentários sobre que seja, de fato, alfabetizar.
De imediato podemos afirmar que alfabetizar está muito longe de ser a reunião de letras e sílabas para formar palavras.
Esse entendimento sobre a alfabetização já seria o suficiente para que tirássemos da fila de espera muitos alunos que foram encaminhados para o diagnóstico e aguardam laudo nas clínicas particulares e públicas.
Em segundo lugar, precisamos com urgência compreender que nossas crianças (de 5, 6, 7...9 anos) não se sujeitam mais maciçamente aos processos de ensino da mesma forma que faziam as crianças da década de 70, 80 ou 90. Algumas se rebelam conscientemente e usam atos indisciplinados para representar essa frustração. Outras, menos cientes do que lhes sucede, recolhem-se nos mais diferenciados modos de introspecção.
Todas elas nasceram depois da morte da Dolly (clone de ovelha). Só isso já dá a dimensão exata da evolução da ciência e da tecnologia que não ficou parada também no concernente às áreas da Psicologia do Desenvolvimento Humano e da Lingüística.
Independente dos encaminhamentos da escola e da educação familiar, essa criança continua aprendendo com a velocidade da luz e interagindo com o mundo adulto de forma nunca antes avistado: os que podem transitam pelo uso de todos os eletroeletrônicos, tendo acesso às informações globalizadas. Os outros desenvolveram competências de sobrevivência e abrangências na maneira de apreender o mundo e subjugá-lo às suas necessidades.
Logo, quem precisa de urgente mea culpa com relação ao processo aquisição da leitura e da escrita é a escola.
Isso seria facilmente resolvido se os alfabetizadores iniciassem o processo e aquisição da linguagem escrita (desde a Educação Infantil) desvelando para o aprendiz o principal conceito desse longo caminhar: o que é a língua escrita.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais, desde 1996, deixaram clara essa questão: para aprender a ler o aluno precisa pensar sobre e escrita, pensar o que a escrita representa e pensar sobre como a escrita representa a fala. Para isso o aluno precisa ler embora ainda não saiba ler e escrever embora ainda não saiba escrever.
Há de se convir que é bastante complicado para a criança compreender que a escrita é um sistema de representação da fala partindo de exercícios com letras e sílabas e de frases sem nexo algum como as famosas A baba do boi é boa, A mula mói limão, Papai passa pomada na panela, ou, como me contaram, que em Portugal O leão Liote papa papoula.
Também não cremos que a apropriação da escrita venha espontaneamente e que, sozinho, o aluno se alfabetiza, bastando estimulá-lo e deixá-lo em um ambiente alfabetizador. O sistema de escrita é complexo e necessita de mediação competente e consciente.
Consciente, por exemplo, da necessidade de se trabalhar intensamente a importância que a escrita tem na sociedade e sua função nas mais diferenciadas atividades humanas, especialmente para as crianças oriundas de famílias analfabetas.
O terceiro aspecto diz respeito ao fato de ainda haver escola que acredite e ensine que cada letra representa um som e vice-versa. Isso só ocorre com seis letras (b, d, f, p, t, v) e um dígrafo (nh). As outras relações entre letra e som não são regulares, pois dependem da origem da palavra (memória etimológica).
Enfim, para ensinar a ler e a escrever bem, além de refletir sobre a organização da escrita com as crianças, é necessário que o professor planeje e organize práticas de uso real da língua escrita, onde se escreva para ser lido e se leia o que a sociedade produz de interessante e estimulante para adulto e crianças.
Enquanto as crianças não são autônomas nesse processo, há que se escrever e ler para o aluno, pelo aluno e com o aluno, de modo que ele construa o conceito colocado por Vygotsky: é possível desenhar a própria fala.

Sandra Bozza
Professora de Metodologia
da Língua Portuguesa

Nenhum comentário: