"Se quisermos modificar algum coisa, é pelas crianças que devemos começar." (Ayrton Senna)

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

A canção afrícana



Lá na úmida senzala,
Sentado na estreita sala,
Junto ao braseiro, no chão,
Entoa o escravo o seu canto,
E ao cantar correm-lhe em pranto
Saudades do seu torrão ...

De um lado, uma negra escrava
Os olhos no filho crava,
Que tem no colo a embalar...
E à meia voz lá responde
Ao canto, e o filhinho esconde,
Talvez pra não o escutar!

"minha terra é bem longe,
Das bandas de onde o sol vem;
Esta terra é mais bonita,
Mas à outra eu quero bem!

"O sol faz lá tudo em fogo,
Faz em brasa toda a areia;
Ninguém sabe como é belo
ver de tarde a papa-ceia!

"Aquelas terras são grandes,
Tão compridas como o mar,
Com suas poucas palmeiras
Dão vontade de pensar...

"Lá todos vivem felizes,
todos dançam no terreiro;
A gente lá não se vende
Como aqui, só por dinheiro"

O escravo calou a fala,
Porque na úmida sala
O fogo estava a apagar;
E a escrava acabou seu canto,
Pra não acordar com o pranto
O seu filhinho a sonhar!

O escravo então foi deitar-se,
Pois tinha de levantar-se
Bem antes do sol nascer,
E se tardasse, coitado,
Teria de ser surrado,
Pois bastava escravo ser.

E a cativa desgraçada
Deita seu filho, calada,
E põe-se triste a beijá-lo,
Talvez temendo que o dono
Não viesse, em meio do sono,
De seus braços arrancá-lo!


Antonio Frederico de Castro Alves nasceu na Bahia, na cidade de Curralinho, em 1847 e morreu em Salvador, em 1871, no mesmo estado. Ficou conhecido como poeta dos escravos, por conta das obras que fez em favor da liberdade dos negros no Brasil.Essas rimas foram retiradas da sua obra Os Escravos, publicada 12 anos após a sua morte.

revista ciência Hoje /nov de 2009

Nenhum comentário: